1.12.20

INFORME SOLUÇÃO DE CONFLITOS | A Alteração da Lei nº 11.101/05 – Falência e Recuperação de Empresas

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Foi aprovado pelo Senado Federal, no último dia 25.11.2020, o Projeto de Lei nº 4.458/2020 (“PL”). O PL, que aguarda a sanção do Presidente da República, altera substancialmente a Lei que atualmente disciplina os processos de falência, recuperação judicial e recuperação extrajudicial de empresas (Lei nº 11.101/05 – “LRE”).

 

As alterações promovidas pelo PL dizem respeito a todos os campos abrangidos pela LRE. Destacamos a seguir alguns pontos relevantes:

 

1- Já no início do PL há a inclusão do § 4º-A no art. 6º da LRE que determina que, escoado o prazo de 180 dias de suspensão das ações e execuções movidas contra os devedores em recuperação (stay period) sem que o plano de recuperação judicial tenha sido votado, os credores poderão propor um “plano alternativo” no prazo de 30 dias. A propositura de plano de recuperação judicial por parte dos credores, inédita no ordenamento jurídico brasileiro, também será possível se o plano apresentado pelo devedor for rejeitado em assembleia geral de credores e for impossível sua homologação judicial via cram down.

Ainda que futuramente venha a representar grande avanço para a recuperação de créditos sujeitos à recuperação judicial, a conquista do poder de estipular os termos do plano de pagamento vem acompanhada de severas contraprestações. O principal exemplo disso é a exigência contida no inciso V do novo § 6º do art. 56 da LRE de que, caso pretendam elaborar o plano de recuperação alternativo, os credores responsáveis pelo novo plano, e aqueles que votarem favoravelmente, obrigatoriamente terão que renunciar a todas as garantias fidejussórias prestadas em seu favor, seja por parte do devedor, seja por terceiros garantidores.

 

2- O PL passa a autorizar a recuperação judicial de produtores rurais que não possuam inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas - CNPJ, desde que comprovado o exercício regular de atividade empresarial por dois anos mediante inscrição no Livro Caixa Digital do Produtor Rural, admitidos outros meios de prova do referido exercício. O PL condiciona a sujeição à recuperação judicial apenas de créditos que correspondam a dívidas da devedora contabilizadas ou decorrentes exclusivamente de sua atividade rural (art. 49, § 6º). Além disso, não se sujeitam à recuperação judicial: (i) os recursos de crédito rural oficial, que não tenham sido objeto de renegociação antes do pedido de RJ (Lei nº 4.829/65 e art. 49, § 8º); (ii) as dívidas constituídas 3 anos antes do pedido com a finalidade de aquisição de propriedade rural e suas garantias (art. 49, § 3º) e (iii) os créditos e garantias vinculados à CPR com liquidação física (alteração do art. 11 da Lei nº 8.929/94).

 

3- O PL também buscou aprimorar a situação das empresas devedoras, por meio da inclusão de seção específica na LRE para tratar do financiamento da recuperanda durante o processo de recuperação judicial. O PL confere ao juiz a prerrogativa de, sem a necessidade autorização dos credores, permitir que o devedor onere bens integrantes do ativo permanentes para viabilizar a concessão de empréstimos e financiamentos no curso do processo de recuperação judicial. Por meio dessas inclusões, o PL pretende assegurar maior sucesso à recuperação judicial, que sabidamente depende da oferta de dinheiro novo para a recomposição de caixa das recuperandas.

 

O PL ainda trouxe disposições no sentido de que o financiador, que poderá ser um dos credores submetidos à recuperação judicial, terá garantido o pagamento prioritário em relação aos demais créditos originados durante a recuperação judicial, possibilitando inclusive a contratação de garantia subordinada. Além disso, na hipótese de falência, o credor financiador ganha preferência no recebimento de seu crédito, passando à classe extraconcursal, o que não pode ser alterado mesmo diante de eventual modificação em grau de recurso da decisão autorizativa do financiamento (art. 69-B e 84, inc. I-B).

 

4- Da mesma forma que se facilitou mediante autorização do Juiz a oneração de bens ao financiador, a alienação via Unidade Produtiva Isolada (UPI) ganhou maior abertura. Pelo PL haverá a possibilidade de venda integral da devedora, inclusive de seu CNPJ, desde que garantida, aos credores não submetidos ou não aderentes, condições, no mínimo, semelhantes às que teriam na falência, hipótese em que será, para todos os fins, considerada unidade produtiva isolada (art. 50, inc. XVIII). A UPI de que trata o art. 60 desta Lei poderá abranger bens, direitos ou ativos de qualquer natureza, tangíveis ou intangíveis, isolados ou em conjunto, incluídas participações dos sócios (art. 60-A). E não haverá sucessão ou responsabilidade por dívidas de qualquer natureza a terceiro credor, investidor ou novo administrador em decorrência, respectivamente, da mera conversão de dívida em capital, aporte de novos recursos na devedora ou substituição dos administradores desta (art. 50, § 3º).

 

5- O PL inova com as chamadas “conciliações e mediações antecedentes ou incidentais aos processos de recuperação judicial”, coadunando estes instrumentos com a legislação já em vigor, especialmente a lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. A ideia seria criar um ambiente amigável entre devedor e credores, incentivando que, antes de ajuizado o pedido de recuperação judicial, a empresa em crise se reúna com seus credores para renegociar as dívidas inadimplidas. Nesse caso, a empresa poderá requerer tutela de urgência cautelar para suspender as execuções contra ela propostas pelo prazo de 60 dias, deduzido esse prazo do período de stay period de 180 dias da recuperação judicial, desde que comprove estar em processo de mediação ou conciliação perante o CEJUSC ou câmara especializada (art. 20-B, inc. IV e § 1º). Importante destacar que o PL veda a negociações diretas e negociações facilitadas (mediações e conciliações) de algumas matérias, declarando, por exemplo, que a natureza jurídica e classificação dos créditos não são passíveis de disposição das partes, bem como não o são os critérios para votação da assembleia geral de credores.

 

6- O PL prevê ainda o mecanismo da constatação prévia (art. 51-A), que dentre outras circunstâncias, pode verificar a pertinência do pedido de recuperação judicial, bem como o uso dos métodos consensuais de solução de conflitos, indicados no parágrafo anterior.

 

7- As deliberações dos credores, inclusive para aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial, deixam de ocorrer necessariamente pela Assembleia Geral de Credores. Passa a ser possível a sua substituição por outro meio com idênticos efeitos, como termo de adesão e votação por sistema eletrônico (art. 39, § 4º).

 

8- A procura pela rapidez na solução da reestruturação do passivo das empresas também se verificou pelas alterações promovidas no instituto da recuperação extrajudicial. Além de reduzir o quórum de aprovação do plano de recuperação extrajudicial de 2/3 para a maioria simples dos créditos (art. 163), o PL ampliou as dívidas passíveis de novação pelo instituto, como os créditos de natureza trabalhista e por acidentes de trabalho, mediante negociação coletiva com o sindicato da respectiva categoria profissional (art. 161, § 1º).

 

9- No que se refere à falência, foram propostas alterações com vistas à celeridade da liquidação da massa falida para que o empresário consiga rapidamente voltar a empreender, de modo a consagrar o chamado “reemprendedorismo” (art. 75, III), e os bens da massa não sofram tanta depreciação diante do longo tempo demandado para que ocorra a sua alienação. A ideia é maximizar o valor dos ativos pela rápida alienação, que agora terá de ocorrer em até 180 dias contados da arrecadação dos bens pelo Administrador Judicial, sob pena de destituição deste. E o procedimento de alienação também tende a ser facilitado, hipótese igualmente contemplada para a alienação de UPI na recuperação judicial, de maneira que poderá ocorrer por meio de leilão eletrônico, presencial ou híbrido, processo competitivo ou qualquer outra modalidade, desde que aprovada (art. 142, incisos I, IV e V) e independerá da consolidação do Quadro Geral de Credores.

 

10- Viabilização da “insolvência transnacional”, que estabelece parâmetros de cooperação entre juízos brasileiros e estrangeiros nos casos de falência ou reestruturação de empresas ou grupos empresariais que tenham sede ou filiais em outros países. O PL adotou o modelo da United Nations Commision on International Trade Law (UNCITRAL). Apesar disso, permanece sendo exclusiva a competência do Superior Tribunal de Justiça para homologação de sentenças estrangeiras e concessão de exequatur às cartas rogatórias (art. 167-A, § 6º).

 

11- Alteração da atuação do Fisco no processo de recuperação judicial, com a ampliação das hipóteses de parcelamento de dívidas fiscais junto à Fazenda e à União, e criação de hipóteses específicas em que o Fisco poderá requerer a convolação da recuperação judicial em falência (i.e. descumprimento do parcelamento - art. 73, inc. V).

 

12- Regulamentação das consolidações processual e substancial, estabelecendo que os devedores que integrarem grupos sob controle societário comum poderão requerer recuperação judicial sob o regime de consolidação substancial, a depender sempre da convicção do Juiz competente e contanto que reunidas duas das quatro condições previstas no art. 69-J.

 

13- Todas as comunicações e intimações passam a ser estimuladas a ocorrer por meio eletrônico e os prazos previstos no PL devem ser computados em dias corridos.

 

Uma vez que sancionada e promulgada a Lei, todas as suas alterações serão aplicadas de imediato, inclusive aos processos pendentes.

 

Para mais informações, entre em contato com o Time de Solução de Conflitos.