Quando inovação no trabalho se transforma em risco trabalhista
Vivemos um momento em que qualquer profissional (de finanças a operações, de marketing a RH) consegue construir soluções reais para problemas do dia a dia: planilhas com macros poderosas, automações, agentes, conectores entre sistemas, dashboards, até softwares gerados a partir de prompts, sem escrever uma linha de código tradicional.
Esse salto de acessibilidade ampliou a inovação dentro das empresas e durante as relações de trabalho, inclusive por pessoas que não foram contratadas para “desenvolver”, mas que, a partir do seu conhecimento do negócio, interesse e boa vontade, criam ferramentas que podem gerar ganhos concretos.
É nesse cenário que um julgamento recente da Justiça do Trabalho acende um alerta. Mesmo com a legislação prevendo que os direitos patrimoniais sobre programas desenvolvidos no contrato de trabalho pertencem ao empregador e que a compensação se limita ao salário (salvo ajuste em contrário), o Judiciário reconheceu expectativa legítima de remuneração adicional quando, por muitos anos, a empresa aceitou a criação de sistemas que lhe trouxeram retorno relevante sem regulamentar claramente esse tipo de contribuição. Sem parâmetro legal objetivo, a indenização foi arbitrada pelo judiciário em percentual sobre a estimativa de ganhos da empresa calculada com base em laudo apresentado pelo ex-empregado.
Por que isso importa agora às relações de trabalho?
A chamada inovação distribuída (com IA generativa, “no-code” e “low-code”) já virou parte da rotina nas relações de trabalho. Quanto mais as empresas possibilitam, permitem e incentivam que todos inovem, maior a necessidade de deixar claro (em contratos de trabalho, políticas e práticas) o que é a função contratada, o que é contribuição extra ou pessoal, como se documenta e como se reconhece (ou não) esse tipo de entrega e de quem é sua propriedade. A linha entre “obrigação” e “contribuição pessoal” é tênue, aumentando os riscos jurídicos.
Impactos práticos imediatos
➜ A presunção legal de titularidade do empregador não basta, se a empresa tolera por anos um modelo de criação “extra atribuições” sem balizas.
➜ Esse vácuo gera espaço para teses de ajuste tácito, boa-fé objetiva e vedação ao enriquecimento sem causa.
➜ Em tempos de IA, agentes e automações feitos “dentro de casa” por profissionais não-técnicos podem ser enquadrados como criações com impacto econômico mensurável e, portanto, cobrados.
Nesse contexto, seguem alguns cuidados que podem servir como ponto de partida para identificar oportunidades de mitigação de riscos:
O julgamento recente mostra que os Tribunais podem reconhecer valor econômico em contribuições inovadoras que escapem às fronteiras contratuais tradicionais. Esse movimento ainda está em formação, mas pode consolidar entendimentos de grande impacto financeiro para as empresas. Mais do que acompanhar tendências tecnológicas, cabe às organizações acompanharem também os impactos trabalhistas que se desenham em torno delas.
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