Informe
28.12.23

Análise da consulta pública do Banco Central sobre a regulação de ativos virtuais

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Conforme já amplamente divulgado ao mercado, o Banco Central do Brasil (BCB) divulgou, no último dia 14 de dezembro de 2023, o edital de Consulta Pública nº 97/2023 sobre a regulamentação dos ativos virtuais, nos termos da Lei nº 14.478, de 21 de dezembro de 2022.

Os interessados podem oferecer contribuições até 31 de janeiro de 2024 e poderão encaminhar sugestões e comentários por meio dos canais disponibilizados no próprio documento. Vale destacar que o BCB deu abertura para que os interessados mandem demais elementos que não foram abordados no edital, mas que deverão ser considerados por eles na regulamentação do mercado de ativos virtuais.

Segundo o texto da consulta, o objetivo da regulamentação é “aumentar a eficiência, a segurança e o desenvolvimento do mercado de prestação de serviços de ativos virtuais no país, mediante a construção de um arcabouço regulatório adequado para a atuação das prestadoras de serviços de ativos virtuais”.

A consulta foca em sete temas principais: 
         (i) segregação patrimonial e gestão de riscos;
         (ii) atividades desenvolvidas e ativos virtuais negociados;
         (iii) contratação de serviços essenciais;
         (iv) regras de governança e conduta;
         (v) segurança cibernética;
         (vi) prestação de informações e proteção dos clientes; e
         (vii) regras de transição.

Tema I – Segregação Patrimonial

Além de focar na questão essencial de segregação do patrimônio da prestadora dos ativos virtuais por ela custodiados, o BCB foi além e questiona o mercado a respeito da possível aplicação desses recursos como investimento, utilização dos ativos virtuais como lastro de garantia para outras operações dos mesmos clientes, e eventuais proteções aos investidores (com instrumentos similares ao Fundo Garantidor de Crédito).

Foram incluídos nesse item outros temas não diretamente relacionados com segregação patrimonial. O BCB questionou o mercado sobre sugestões de mecanismos para a proteção do investidor que autoriza o custodiante de ativos virtuais a empregar os seus recursos como garantia para o staking. Essa modalidade de investimento implica que o prestador pode bloquear criptomoedas do investidor para que elas sejam utilizadas como validadoras em operações de blockchain, recebendo uma remuneração como retorno. Nesses casos, o investidor corre tanto o risco da volatilidade da criptomoeda bloqueada como da má prestação do serviço.

Outro ponto de preocupação do BCB foi abordar as transações transfronteiriças com ativos virtuais, incluindo sua utilização como meio de pagamento ou investimento em participação societária. Além disso, o BCB questionou o mercado sobre a utilização de ativos virtuais em operações de investimento direto, crédito externo e se deveria haver algum tipo de tratamento especial nas declarações dada a natureza intangível de tais ativos.

Por fim, em operações derivativas com ativos virtuais, o BCB pede sugestões de como deve ser calculado o valor de fundo suficiente para proteger essas transações.

Tema II - Atividades desenvolvidas e ativos virtuais negociados

O BCB incluiu na consulta quais atividades deveriam estar sujeitas a autorização, bem como se a autorização deveria ser segregada para cada atividade ou emitida de forma conjunta para todas elas. Além disso, submete ao mercado o questionamento de como deve funcionar o processo de autorização para instituições financeiras, instituições de pagamento e outras instituições autorizadas a funcionar pelo BCB.

Tema III - Contratação de serviços essenciais

O BCB também expressou preocupação com relação à terceirização de serviços essenciais às atividades de ativos virtuais. Por exemplo, no caso em que as prestadoras mantiverem a custódia dos ativos virtuais de clientes em entidades prestadoras de serviços de custódia estabelecidas no exterior, quais são seriam as garantias adequadas a serem prestadas pela entidade no país, com vistas a preservar os recursos dos clientes.

Além disso, há uma preocupação de identificação desses prestadores de serviços e dos termos e condições de sua contratação. Dada a natureza dos serviços, bem como tendo em vista que muitos prestadores não estão localizados no Brasil, é importante estabelecer condições mínimas sem, no entanto, inviabilizar a contratação e prestação dos serviços.

Por fim, o BCB demonstra novamente atenção com procedimentos de prevenção à lavagem de dinheiro e prevenção ao terrorismo (PLDFT). Será essencial identificar quais requisitos são relevantes para impor aos prestadores de serviços para fins de prevenção, incluindo políticas, sistemas, cadastros e verificações mínimos, registros de operações, alertas e comunicações.

Tema IV – Regras de governança e conduta

As regras de governança e conduta das VASPs (Virtual Asset Service Providers) focaram nos seguintes pontos:

         (i) armazenamento e administração de chaves privadas;
         (ii) formação dos preços dos ativos virtuais disponibilizados para negociação em plataformas e exchanges;
         (iii) fluxo de liquidação das operações de compra e de venda de ativos virtuais;
         (iv) clareza das informações sobre a volatilidade dos preços dos ativos virtuais e sobre as tarifas cobradas pelas prestadoras;
         (v) percentual mínimo para manutenção em cold wallets;
         (vi) métodos e limites a serem adotados para coibir riscos em operações que as prestadoras garantem liquidez a operações de clientes;
         (vii) forma adequada de controles dos ativos virtuais e preservação e sigilo versus o compartilhamento das chaves;
         (viii) estrutura de governança e controles mínimos capazes de garantir aderência às regras e regulamentos, incluindo a eventual certificação por empresas independentes, considerando as peculiaridades desse tipo de serviço;
         (ix) gerenciamento de riscos das transações com ativos virtuais, em particular, relacionados a PLDFT; e
         (x) identificação dos beneficiários finais para fins de PLDFT, bem como cumprimento da Travel Rule, conforme Recomendação 16 do Financial Action Task Force/Grupo de Ação Financeira Internacional (FATF/GAFI).

Tema V – Segurança Cibernética

Esse tema foi abordado de forma bem abrangente pelo BCB, sem nenhum indicativo mais específico ou orientação sobre o tema. É possível que o BCB já tenha em vista parâmetros mínimos de segurança cibernética nos moldes do que aplica para as demais instituições reguladas ou, por outro lado, é possível que esteja aguardando todo o tipo de sugestão fora dos parâmetros para avaliar e aplicar para as VASPs.

Tema VI – Prestação de informações e proteção dos clientes

Novamente, o BCB demonstra que deverá abordar na regulamentação a exigência de prestação de informações completas e adequadas aos clientes, em especial, no que se refere aos riscos das operações com ativos virtuais.

Adicionalmente, deverá ser realizada pelas VASPs a implementação de políticas para avaliação de perfil de investidor dos seus clientes, no caso de realizarem negociação, transferência, utilização como meio de pagamento ou a utilização como investimento de instrumentos digitais representativos de valor.

Por fim, nesse tema, o BCB reforçou a necessidade de existirem instrumentos com linguagem clara, objetiva e adequada à natureza e complexidade da transação com os ativos virtuais, de forma a permitir ampla compreensão sobre as condições de funcionamento, os seus mecanismos e os riscos incorridos.

Tema VII – Regras de Transição

O BCB questiona o mercado sobre quais seriam o tempo e os critérios de adequação acordo com o risco e o porte das prestadoras. Além disso, qual seria o prazo adequado para obter autorização. Vale ressaltar aqui que o BCB não fez qualquer referência a volumes transacionados, conforme já havia sinalizado anteriormente.

Análise Geral

É interessante o BCB ter realizado a consulta pública de forma tão abrangente ao mercado. Conforme esperado, foram abordados pontos relevantes às VASPs, tais como governança, PLDFT, segregação patrimonial, segurança cibernética e segurança e proteção do cliente. Por outro lado, o mercado anseia por uma regulação mais assertiva sobre os caminhos que serão adotados. A expectativa é que, a partir das respostas obtidas até 31 de janeiro, o BCB submeta normas mais estruturadas ao mercado.