Nos últimos dias, temos vivenciado, em todos os setores da economia, situação atípica de redução de atividade e/ou necessidade de adoção de medidas ou posturas específicas necessárias ao combate da proliferação do Covid-19 no Brasil.
Verifica-se, nesse contexto, a eventual possibilidade de impacto à prestação de serviços públicos concedidos nos termos originariamente estipulados ou, ainda, à própria demanda pelos referidos serviços. De igual modo, há uma inequívoca produção descentralizada de normas editadas pelos entes federativos e seus órgãos e entidades reguladoras, comprovando a situação adversa atualmente enfrentada em nível mundial.
Em 7.2.2020, foi publicada a Lei Federal nº 13.979, que dispõe, de maneira genérica, sobre medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do Covid-19. O art. 3º da referida Lei Federal dispõe, por exemplo, sobre a possibilidade de restrição excepcional e temporária, conforme recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, por rodovias, portos ou aeroportos de (i) entrada e saída do País e (ii) locomoção interestadual e intermunicipal. É importante destacar que, desde sua edição, a Lei Federal nº 13.979/2020 já foi alterada por nada menos do que 3 (três) medidas provisórias, o que indica a celeridade de mudança de regras impostas a agentes econômicos de um modo geral.
No Estado de São Paulo, por exemplo, foi editado o Decreto Estadual nº 64.881/2020 decretando quarentena no Estado de São Paulo e a restrição de atendimento presencial em determinados estabelecidos comerciais. Neste caso específico, não obstante as dificuldades sabidamente enfrentadas, não houve disciplina específica relativa à tramitação de processos administrativos e/ou contratações públicas.
Por sua vez, no Município de São Paulo, foi editado o Decreto Municipal nº 59.283/2020, que dispõe sobre a declaração de emergência no referido Município. O art. 20 do referido decreto suspendeu, por 30 (trinta) dias, os prazos em processos administrativos, reconhecendo a situação adversa que impacta as contratações de maior complexidade em andamento e que demandam, por exemplo, mobilização expressiva de profissionais, aquisição de equipamentos e estruturação financeira.
Cita-se também, por oportuno, a Portaria CBMSP nº 13/2020 do Corpo de Bombeiros de São Paulo, que: (i) suspende, até 31.7.2020, (a) a exigência de brigada de incêndio nos processos de regularização das edificações e áreas de risco, e (b) o atendimento técnico presencial aos proprietários e responsáveis pelas edificações nas unidades do Corpo de Bombeiros; e (ii) estende, até 31.7.2020, a validade das licenças emitidas pelo Corpo de Bombeiros (AVCB, CLCB e TAACB) com validade expirada entre 1º de março e 31.7.2020.
Se é possível afirmar, de um lado, que poderá ocorrer uma redução da velocidade regulatória, não é possível afirmar a sua completa paralisia. Apenas a título de exemplo, especificamente no setor elétrico, cuja regulação setorial é exercida pela Agência Nacional de Energia Elétrica, verifica-se a que a diretoria da referida agência iniciou a realização de reuniões virtuais, bem como a edição de normas atinentes (i) à suspensão de prazos de processos administrativos sob sua gestão (cf. a Portaria nº 6.130/2020) e (ii) a medidas excepcionais aplicáveis a segmentos específicos sob sua regulação, como por exemplo a distribuição de energia elétrica (v. nesse sentido a Resolução ANEEL nº 878/2020, aprovada em 24.3.2020).
No plano legislativo federal, tem se cogitado a possibilidade de votação virtual, pelo plenário do Senado, do tão comentado PL nº 4.162/2019, que dispõe sobre alterações significativas no atual marco regulatório de serviços de saneamento básico (Lei Federal nº 11.445/2007).
O que se conclui, nesse contexto delicado e sem precedentes ou paralelos, é que:
- em razão da titularidade descentralizada dos serviços públicos e da autonomia de cada ente federativo, não há normas gerais aplicáveis a todos os serviços públicos concedidos, inclusive no que tange aos processos administrativos conduzidos por cada órgão ou entidade nas atividades de fiscalização/regulação;
- não obstante a possibilidade de redução da atividade regulatória, não se pode afirmar que há uma completa paralisa dos órgãos e entidades reguladores, em especial considerando as ferramentas digitais atualmente à disposição do poder público;
- para cada serviço público (ou de interesse público) concedido ou autorizado, é necessário (e essencial) atentar para as normas específicas editadas pelo titular do serviço e/ou pelos órgãos ou entidades reguladoras; e
- impactos específicos nos serviços públicos concedidos devem ser sempre analisados caso a caso, frente às regras contratuais e/ou normativas aplicáveis.